12/07/2012

OS OLHOS DO TRABALHADOR


Prometeram cristal e nem de vidro foram
As palavras de adeus na sala vazia.
Prometeram seda e nem farrapos deram
Ao corpo dobrado que tremia.

Mesmo assim havia réstias de cor
Nos olhos tristes do trabalhador.

Não falaram dos dias de batalha
Do entardecer lento das horas
Com toneladas de brio

Não falaram da febre e do frio
Dos nervos postos em navalha

Nem falaram da honra de ser assim

Apenas disseram que o tempo
Era tempo de fim.

E, agora…
Já nem a bruma sossega
A saudade da entrega
De tantos anos assim mordomo.

Já nem as canções de infância
Chegam com nitidez.
Nem o borbulhar frenético
Daqueles dias de trabalho feliz
Onde os amigos e os outros tinham rosto.

Tudo passou e que desgosto
Estar em frente de alguém
Que num tom solene e desumano
Lhe mostra com crua certeza
Que tipo de pano
É o tecido da empresa.

E, apenas num segundo,
Os senhores disseram tudo.
Adeus.

E o trabalhador vai ao fundo da alma
Buscar mais tristeza.

Abafada. Dorida. Muita.

Prometeram cristal e nem de vidro foram
As palavra de adeus na sala vazia
Prometeram seda e nem farrapos deram
Ao corpo dobrado que tremia.

Mesmo assim havia réstias de cor
Nos olhos tristes do trabalhador.


in "Coisas do Tempo", págs. 41-42, ed. autor, Porto, 1999.


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