06/09/2012

desejos e nylon preto







numa quase-transparência quente
e sedutora a saia
curtíssima
prometia bulícios lisos e mansos
de carne inquieta

e por baixo do tecido finíssimo
da saia
curtíssima
duas pernas lânguidas e quentes
semeavam erotismo trémulo
nos meus olhos 

e ofereciam sítios secretos
às minhas mãos

lentamente uma abertura
discreta tímida e sussurrante
desenhou-se entre os joelhos

e os meus dedos tocaram o suave
borbulhar do nylon preto
das meias que eram nuvens
ingénuas e ténues
revestindo orgulhosas o céu branco
das coxas

e quando as minhas mãos assimétricas
e explosivas
se colaram à respiração nua
da planície em brasa

as meias desceram ofegantes
com soluços de desejo 
e de fome

e as pernas descruzaram-se.




A montra




Qualquer que seja a montra
Do teu corpo
A que a tela de meus olhos
Se aconchegue

Não perguntarei nunca pela tua cor

O gesto e a vontade
Não se medem
No físico metálico dos espaços.

Desapareceu o medo
Da língua do credo da História
E do tempo de mudar
Os tempos

Nasceu um traço de tinta e de fé
Uma luz adiante da fronteira
E uma brisa de montes ali.

Qualquer que seja a montra
Do teu corpo
A que a tela de meus olhos
Se aconchegue

Não perguntarei nunca pela tua cor

A mão e a alma não se limitam
Ao armário da carne

A mão estende-se exactamente
Inteira
Pelas planícies todas de nós

A alma planta-se completamente
Grande
Naquilo em que se acredita.

Qualquer que seja a montra
Do teu corpo
A que a tela de meus olhos
Se aconchegue

Não perguntarei nunca pela tua cor.

05/09/2012

Buscas






A impossibilidade de acreditarmos, em absoluto, nas mais complexas teorias sobre o que existe para lá dos nossos muros, esmaga-nos a felicidade de apertar os cordões aos sapatos, tira-nos a epopeia de coçar os testículos entre as gangas e proíbe-nos a companhia de Astérix no wc. Não é fácil.

A nossa fé, no que quer que seja, mede-se em algarismos de calculadora, experiências de laboratório e telas de computador. Para lá disso, apenas queremos que nos deixem comer o nosso Chocapic, na paz dos anjos que sabemos não haver.

As guerras, os atropelos à dignidade, as corrupções e as completas misérias com que a vida nos embrulha, são as disciplinas obrigatórias deste curso fantasmagórico de sobrevivência atrapalhada, que, cada vez mais, nos conduz à negação de tudo o que está para lá dos nossos conhecimentos mais imediatos e básicos.

As couves estão ali, ao lado dos físicos, dos cartões de crédito e dos boletins de totoloto.
Depois disso, só avalizamos o palpável. Escolhemos os ídolos e as vozes dos silêncios para depois copularmos entre novelas e cotações.

No meio disto tudo, distribuímos a nossa paciência pelos molhos de medo que as religiões apregoam. Acatamos a dúvida e mostramos indiferença.

Deus é, às vezes, uma hipótese de tranquilidade. Deus é, às vezes, uma certeza de vazio.
Mas enquanto se discute a imagem da Sua ausência, precisamos de tudo e do seu dobro, em quantidades imprevistas, em nome do nosso catálogo de perguntas.

Talvez mereçamos esta impossibilidade de acreditar em algo que não se mostra disponível às nossas buscas.

03/09/2012

O meu país



Eu queria ser o meu país
Sem ter de ser condado
De senhores que eu não sei

Eu queria ser rei
Sem ser o meu soldado
Nas terras que desenhei

Eu queria ser apenas o meu país
Sem escudos de medo
Nem ventos inquietos de não

Eu queria tanto ser o meu país
Sem gotas de verde a fugir
Nem trovadores a fingir
Cantigas de amor no falar

Eu queria ser o meu país
Com âncoras no peito
E com barcos nos braços

Eu queria ser o meu país
E guardar no meu jardim
Uma caravela novinha
Encostada aos malmequeres

Se algum dia eu puder ser o meu país
Não vou dar estrelas ao azul
Porque o azul não precisa de estrelas

Prefiro sentar-me nas muralhas
Quieto e embevecido
A olhar as gaivotas e o mar.

MÃE




Mesmo que os pássaros
esbeltos
brancos de aurora ou
negros de noite
subam pela cinza das horas
e não desçam nunca

Mesmo que não se saiba
outra vez
qual o vértice, qual a face
de não sermos estranhos
à carne do silêncio

Mesmo que as bolas de sabão
azuis, amarelas, violetas
embrulhadas em azedo
e longe
brilhantes e frágeis
não se desfaçam, nunca mais
nas costas da minha mão

Estou triste, na mesma, mãe
estou confuso, na mesma, mãe
não sei nada, mãe

Distante, em mim
está o teu sorriso, para sempre
eterno
entre duas canções
que cantavas, às vezes
numa tão doce melodia
que ainda hoje as ouço
que ainda hoje as bebo
entre duas lágrimas
cheias de olhos vazios e
de tempo fugidio