30/08/2011

e já agora


escutem:

não quero linhas de comboio
nos meus cadernos de escola

não tenho túneis
na mochila.

e já agora

o compasso que enferrujou
nas férias
não sabe ler
nem gosta de matemática.

por isso

não contem comigo
para a catequese.

24/08/2011

caderno


por vezes encanto-me
com a ténue espessura dos caules das plantas
silenciosos e graves adormecendo
num aceno intranquilo de solidão teimosa
e permanente.

mas não tenho força para dizer-lhes devagar
o comprimento hercúleo da seara em que repousa
a incapacidade de vitória

nem para falar-lhes sossegadamente das montanhas
que a melancolia ergue
por mais que a água das fontes o não permita
neste lugar.

por vezes entalo o som respirado das flores
entre as mãos nuas do meu caderno
vês?

mas não chega para que a tormenta
deste mar enterrado na poeira
abandone o casco de toda esta fronteira
de cores roubadas.

Em cada linha do teu corpo



Num vítreo murmúrio
Paralelo e silábico
De uma distância quente e sem amarras
Estende-se o gemido
Quase final
Quase começo

Encolhe-se o medo que se programa
Em sôfregos instantes de momentâneas
Bandeiras
As colinas soltam-se e correm
Pela carne
Envoltas em cardumes de frio.

A tremura é uma névoa
De ilusão
Um colo de renascença
Uma pérola de mágico
Uma gota nos lábios
Das coxas

E cada pormenor é um compêndio
De farrapos
E o amor nasce em cada linha
Do teu corpo.

Depois
Se não houver pássaros
Nem flores nem rios
Nada se esvairá pela penumbra

Porque o tempo é sempre asa
Pólen
Corrente de rio

E tudo acontece e tudo nasce bruscamente
Ou de modo manso
Entre dois lençóis sem nome.

o teu nome


tenho a tua imagem
numa fagulha de luz
pertences-me à jornada
desde o começo

sou
ainda e sempre
aquele puto descalço
cheio de perguntas no sono
impaciente
à espera que amanheça

perto de mim rebentam
a cada passo
sebes cheias de lábios
e às vezes há grades
de orvalho
na planície da minha alma

mas o teu nome basta
mãe

para que o medo ancorado
nas dúvidas e nos sobressaltos
se extinga

às vezes nunca saíste
de mim.

22/08/2011

fish


o cabrão pôs carvão no grelhador
e esperou que o fish ficasse fixe.

mas o estupor queimou-se
o cabrão.

fixe!, pensou o fish.
mas não.
o cabrão, mesmo queimado, comeu-o.

alma


é ali entre o arvoredo das línguas
e dos botões de punho
que a proa deste barco se estende pintada
de um branco tão parolo como a cor mastigada
das cascas de tremoços sem água
e sem pessoas.                           

é ali que eu coloco as letras de barriga para baixo
sem receio de as magoar nas tábuas escritas
da maré descalça.

é ali que eu sonho todos os dias
com as palavras certas deste território interior
forrado a sargaço e a espuma de grafite.

é ali que tudo acontece ao cair das forças
e este barco semeia remos entre as rodelas esbranquiçadas
das nuvens cambiantes e sôfregas de estrelas.

é ali entre as rugas do sossego idoso das árvores
que nasce a morte da bruma que passa
equilátera e tardia
enquanto a memória imprime desenhos
na pele derretida da alma errante.

20/08/2011

A e B


A vida passa
Corre
Num tempo sempre o mesmo.

O sol levanta-se
Deita-se
E o tempo permanece
O mesmo
Entre o A
E o B
Das coisas infinitamente
Finitas.

A vida passa
Corre
Num tempo sempre o mesmo.

É preciso fazer a diferença
E sossegar a alma
Dos viajantes

É obrigatório
Pegar em lápis de cor e dizer o azul
a árvore e confirmar
Que, apesar de tudo, estamos
Juntos entre os riscos.